UMA situação insólita foi vivida na noite de sexta-feira, no pavilhão do Estrela Vermelha. Havia sido concluída a derradeira partida da fase de qualificação para a Taça dos Campeões de África em Basquetebol de Seniores Femininos. Depois de um desafio altamente bem disputado e onde a extraordinária classe das intervenientes – particularmente das “alvi-negras” – veio ao de cima, o 1º de Agosto ganhara por uma margem de dois pontos (52-50). No entanto, não havia festa nenhuma. Nem nas quatro linhas nem nas bancadas. Provavelmente, somente o Desportivo conjecturava que tinha transitado para Nairobi. Quanto aos outros, ninguém sabia rigorosamente nada. O público não arredava-pé, questionava os jornalistas e estes, por seu turno, aguardavam pelas intermináveis contas dos homens da FIBA-África, que, entre os três candidatos ao apuramento, acabaram ditando o afastamento do Ferroviário, numa jornada marcada pela ausência dos habituais festejos e garrafas de champanhe da ocasião.
À partida sabia-se que a discussão seria entre o triunvirato que no campeonato transacto ocupou os três primeiros lugares: Desportivo, 1º de Agosto e Ferroviário, para somente duas vagas. Trata-se de equipas que se conhecem perfeitamente, não somente por via da Taça dos Campeões como também através das selecções moçambicana e angolana, dado que as suas principais atletas fazem parte das equipas nacionais. Os outros dois participantes na prova, designadamente Desportivo de Maculusso, de Angola, e JBC, do Zimbabwe, não passavam de meros figurantes, com a sua presença a resumir-se à busca da experiência em competições desta natureza.
Face à delicadeza da prova, enquanto as angolanas praticamente investiram no plano interno, com o 1º de Agosto a ir buscar novamente a cabo-verdiana Crispina Correia, desta vez mais pesada e bastante lenta nos movimentos, as moçambicanas primaram pelo esmero, senão vejamos: as campeãs africanas apostaram em Pauline Akonga (congolesa), que já envergou a camisola “locomotiva”, e em Salimata Diatta (senegalesa), duas jogadoras que neste campeonato foram autênticas maravilhas. Mais: Deolinda Ngulela e Diara Dessai para complementar a coroa, num time onde Nazir Salé, apesar da clara falta de alternativas – Anabela Cossa, Cátia Halar, Valerdina Manhonga e pouco menos – teve o mérito de, humildemente, saber gerir a equipa e acima de tudo explorar ao máximo as suas capacidades.
Já o Ferroviário, que em Outubro de 2007 tinha visto o seu grande investimento cair em saco roto, não quis variar nas suas opções, ao voltar à “Pátria do Básquete” para ir buscar Alendra Brown, bem mais aprumada que a anterior, para além de Clarisse Machanguana e Nika Gemo, formando assim uma verdadeira constelação de estrelas, ao se juntarem a Deolinda Gimo, que preferiu regressar após fracassar o seu desejo de envergar o “jersey” do Desportivo, Zinóbia Machanguana, Ruth Muianga, Carla Silva, Nádia Zucule, entre outras. Com tanto luxo, onde residiu o descalabro de Carlos Aik? Não terá sido traído pela crise de abundância, considerando que com este esquadrão ganha-se o Campeonato Africano sem pestanejar?
NOITE INCRÍVEL
À excepção dos desequilibrados encontros com Desportivo de Maculusso e JBC, a prova foi essencialmente caracterizada por partidas espectaculares. Os três candidatos à transição foram vincando a sua personalidade competitiva, proporcionando aos espectadores momentos verdadeiramente inolvidáveis. Não estava ali em disputa propriamente o título, mas tinham a consciência de que o caminho para se alcançar esse desiderato passava por este evento que, por força do regulamento, deixaria fora do campeonato uma das melhores formações do continente, a menos que a FIBA-África decida repescar o terceiro classificado.
Depois de alguns despiques para as provas internas, Desportivo e Ferroviário encontraram-se logo na jornada inaugural, travando um diálogo que contribuiu decisivamente para a excelente propaganda desta Taça dos Campeões. Viu-se que “alvi-negras” e “locomotivas”, dois conjuntos que perfeitamente se encaixam uma para a outra, sabem jogar, de uma certa forma, quando se trata de competições nacionais, e doutra forma, aos mais alto nível, perante uma responsabilidade africana. A astúcia de Nazir Salé veio outra vez à tona e confirmou a supremacia da sua equipa nos confrontos com o seu rival nas competições continentais, ganhando por 79-70 e Carlos Aik a falhar a vingança.
No entanto, o Ferroviário não atirou a toalha ao chão. Isto é, sabendo que as portas de qualificação para a capital queniana permaneciam abertas de par em parte, organizou-se melhor para o grande embate seguinte, diante do 1º de Agosto. Foi uma partida onde as verde-e-brancas mostraram as suas reais e indiscutíveis capacidades, confundindo as angolanas. O triunfo (64-59) assentou-lhes como uma luva não mão.
Para o derradeiro dia estavam, assim, criadas as condições para uma espectacular noite de evocação da nossa moçambicanidade, pois, ganhando o Desportivo ao 1º de Agosto, independentemente da diferença pontual que se verificasse, as angolanas ficavam pelo caminho e as duas equipas nacionais seguiam em frente. É verdade que não era nada líquido que as “alvi-negras”teriam a vitória garantida, já que as “militares”do país irmão também lutariam por ela, na perspectiva de apuramento, mas todos os prognósticos e conjecturas dos nossos amantes da bola-ao-cesto apontavam exactamente para aí mesmo.
FANTASMAS NA DECISÃO
Nas quatro linhas, as campeãs africanas não quiseram deixar os seus créditos por mãos alheias. Sempre comandaram o jogo e o marcador, por uma margem de 10 pontos, apesar da forte réplica oferecida pelas angolanas. Com mais e melhores soluções atacantes, o Desportivo nunca chegou a dar mostras de que fosse baquear precisamente na ponta final, a escassos segundos da buzina. Os dois conjuntos tiveram incríveis perdas de bola, mas, no essencial, pela forma como controlavam os acontecimentos, as “alvi-negras” praticamente tinha o triunfo nas mãos.
Só que, inexplicavelmente, a dada altura começaram a permitir uma perigosa aproximação das angolanas, senão vejamos: 46-46 a 3.20 minutos do fim, 46-48, 48-48, 48-50, 50-50 e, finalmente, 50-52. Aparentemente, podia parecer um jogo combinado ou, então, os fantasmas da decisão ofuscassem o brilho de Sua Majestade. Porque a quebra do Desportivo aconteceu de forma abrupta, para alguns espectadores, haverá gato com o rabo escondido de fora, com o propósito de “tramar”o Ferroviário, em consequência das desinteligências entre os dois clube – caso Deolinda Gimo de permeio -; e, para outros, tratou-se de uma vitória natural do 1º de Agosto, mercê do seu esforço no momento decisivo da contenda, pois, argumentam, de maneira nenhuma as “alvi-negras”entrariam em conluio para deixar em terra as suas compatriotas.
Seja como for, a verdade manda dizer que, objectivamente, o Desportivo tinha estrutura e condições para ganhar aquela partida à vontade. Agora, por que não o fez? Por enquanto, muitas especulações são avançadas, porém, nós preferirmos aguardar pela verdade – se é que algum dia virá ao de cima, tal como o azeite…
* Alexandre Zandamela