Africa Basquetebol

19 dezembro 2008

ANGOLA : RAUL DUARTE QUER LIBOLO NO PÓDIO


Gosta de enfrentar novos desafios e viver do basquetebol angolano. É desta maneira que se define o actual treinador do Recreativo do Libolo, Raul Duarte. Em entrevista ao “Jornal dos Desportos”, o técnico faz uma análise da presença dos jogadores estrangeiros em Angola e avalia a actual situação dos jovens basquetebolistas angolanos. Duarte aponta os males que os enfermam bem como a saída para se melhorar a qualidade de formação dos jovens. Faz um apelo aos dirigentes que regem a modalidade no sentido de se encontrar mecanismos que visam a evolução cada vez mais do basquetebol angolano.. .

Os estrangeiros vêm para dar mais-valia ao basquetebol angolano ou impedem o aparecimento das jovens estrelas locais?
Há uns tempos na NBA era difícil ter jogadores estrangeiros, agora entram muitos jogadores, não por serem europeus ou asiáticos, mas por serem bons jogadores, que por sua vez vão transmitir qualidade à NBA. Hoje, o que se passa no nosso basquetebol, muito honestamente, é que há uma deficiente formação dos jogadores nas diferentes agremiações, que os vendem aos clubes que têm mais recursos. Os clubes com elevados recursos também deixaram de fazer a formação, porque querem comprar atletas formados em função dos seus recursos. É verdade que muitos profissionais que trabalham nesse escalão não têm a formação para o fazer. Então, tudo isso está a fazer com que não haja homens altos, nem mesmo jogadores com qualidade para a posição 1 (base), não têm as mesmas qualidades de treinamento que no passado.

Os jogadores estrangeiros que actuam no nosso campeonato são de elevada qualidade? São úteis para quem os contrata e é o mais importante, pois não acho que alguém contrate um jogador estrangeiro sem qualidade, em detrimento de um angolano com qualidade.

O que fazer para colmatar esta situação?
Temos de pensar muito seriamente se os clubes têm bolas, se o campo, onde treinam, tem qualidade. Devemos pensar em investir nas pessoas que formam os nossos atletas. Os departamentos dos clubes devem organizar-se para que no tempo certo os atletas tenham bilhete de identidade; inscrevê-los nas associações provinciais; pressionar as entidades que dirigem o basquetebol no sentido de organizarem torneios abertos, campeonatos provinciais e nacionais. É necessário que os organizadores dos campeonatos provinciais de Luanda, o maior polo de desenvolvimento da modalidade, sejam completamente diferentes. Nos últimos quatro anos, tem sido uma desgraça. A organização não motiva os mais novos a treinar com mais força, porque não há competição. O que se depara é meia dúzia de jogos que não permite a evolução.

Gente ligada ao basquetebol alega que sem os estrangeiros a modalidade continuaria na mó de cima e surgiria mais atletas nas grandes equipas...Onde é que estão esses jogadores?
O Ezequiel e o Abdel (com problemas motores) têm 2,2m de altura, mas não sabem correr, têm dificuldades motoras gravíssimas, têm problemas no posicionamento das pernas, no bloqueio, no lançamento, no gancho e semi-gancho. São coisas básicas. Isso nos faz pensar no seguinte: se o objectivo do clube é estar nos primeiros lugares, o que fazer? A resposta é muito simples: em função da falta de jogador de qualidade, tem de se buscar fora das fronteiras nacionais, pois os que temos não marcam grande diferença; não são grandes jogadores, mas são úteis. A verdade é que o pouco que surge não é igual ao do passado. Naquela época, havia Jean Jacques e David Dias, só para citar esses, tinham grande envoltura, bom trabalho de perna e passe. Isso tinha a ver com a formação feita, número de jogos a nível de Luanda, pois havia boas equipas como o Vila Clotilde, Nocal, Petro de Luanda, Sporting, entre muitas.

As pessoas que dirigem os clubes põem em risco o futuro da modalidade?
Que as coisas não estão bem, toda a gente sabe. Que as coisas têm de melhorar, também toda a gente tem a consciência. As pessoas responsáveis têm de procurar um modelo de desenvolvimento para o basquetebol, que façam crescê-la. Essa é que tem de ser a primeira preocupação. As pessoas deviam perguntar-se: porque é que temos quase sempre os pavilhões vazios? Porque é que o jogador angolano não se assume ao mais alto nível, salvo raras excepções? Não vemos quase nenhum jogador de 20 anos a jogar na principal competição portuguesa. Os jogadores continuam a ser os mesmos. Por que não aparecem jogadores novos todos os anos? São estes tipos de interrogações que deviam ser feitos para se começar a pensar num modelo que sirva os interesses do basquetebol em Angola. O basquetebol angolano não está bem... A verdade é que os resultados a nível nacional disfarçam a imagem do nosso basquetebol. A nossa selecção foi a vice-campeã africana de júnior, mas questiona-se, onde é que se pratica o melhor basquetebol em África. A resposta é clara: em Angola. Então, as nossas referências não podem ser as africanas, têm de ser campeonatos do Mundo. Para tal, temos de trabalhar muito.

“Meus contratos são bons”

O contrato com o Libolo satisfaz os seus intentos?
Quando assino contratos de trabalho, é porque são bons. À partida, só tenho de cumprir a minha parte, que é fazer um bom trabalho, potencializar a equipa e lutar para que os objectivos traçados pelos treinadores, atletas e dirigentes se cumpram.

É melhor em relação aos outros clubes por onde passou?
Não vou dizer quanto ganho, mas quer no 1º de Agosto quer no Petro de Luanda ou no Libolo serve para dar melhores condições à minha família.

“Esta é a equipa idealizada”

O Desportivo do Libolo é a mais nova agremiação do basquetebol angolano. Que comentário se lhe oferece fazer sobre a equipa que dirige?
É uma boa equipa. Comparando-a com o primeiro dia de treinos (15 de Setembro), confesso que não tem nada a ver com o que é hoje a equipa do Recreativo do Libolo. Recebemos muitos jogadores para teste, mas apenas um deles ficou. Paulatinamente, recebemos alguns agentes de atletas bem como contactámos outros para fazerem parte do grupo. Posso dizer que estou muito contente com o grupo à minha disposição, principalmente, pela dedicação dos atletas. Esta equipa, ao que parece, ainda apresenta dificuldades técnicas... O que nos falta, vamos superá-la com o aprimoramento da técnica, pois há muita dificuldade no que toca à técnica defensiva e ofensiva; há falta de jogos nas pernas de muitos jovens, porquanto alguns destes atletas não jogaram muito quando eram cadetes e juniores, adicionando o facto de que quem os treinou condicionou o futuro deles. Nesta altura, somos obrigados a ensiná-los a fazer lançamentos debaixo da tabela, ganchos e semi-ganchos, defender e correr com a bola. Há muitos pormenores técnicos que não puderam aprender na sua formação como atleta.

Esta é a equipa que idealizou ou a equipa possível?
De certa forma é a equipa que idealizei, porque não podemos ter tudo e nem vamos conseguir ter, mas é do equilíbrio de jogadores entre as equipas que vão todos ganhar. Se não houver equilíbrio, como aconteceu em alguns anos atrás, não haverá motivação nem atracção do público e acaba por não haver patrocinadores. E com isso quem sai a perder é o basquetebol. O equilíbrio é fundamental. Aquele que tirar maior partido dos jogadores que dispõe vai ser campeão.

Nesta altura qual é o sector que tem maiores dificuldade?
Os jogadores que actuam na posição de base devem crescer o mais rápido possível; que tenham uma grande atitude defensiva e uma maior capacidade de controlo da bola e leitura de jogo. Por exemplo: perdemos o jogo com o Petro de Luanda num período fundamental do jogo, quando perdemos três lançamentos consecutivos e precipitados. O crescimento que pretendemos é neste sector da equipa, pois são eles que organizam e determinam o ritmo da equipa. Outro sector que também temos um grande problema é a posição de poste. Nessa posição, os dois jogadores experientes são baixos e os mais altos são imaturos e tem muitas dificuldades em termos de ressalto defensivo e ofensivo.

E qual é o sector que mais lhe dá confiança?
Creio que a área que está melhor servida é a posição de extremos; tem jogadores bastante experientes.

Perante essas dificuldades, o Desportivo do Libolo está em condições de ser a terceira força do basquetebol angolano?
Não queremos assumir nada. O historial do basquetebol angolano está a favor do 1º de Agosto, Petro de Luanda, Interclube e ASA, que já estão nessa competição há muito tempo. Queremos começar a escrever a nossa história.

Lutar para os primeiros lugares

Qual é o vosso objectivo para a presente época?
O objectivo traçado é ficar entre os quatros primeiros classificados nessa fase, o que vai permitir jogar muitas vezes com os mais fortes e em função disso permitir o nosso crescimento. Só depois de superar essa meta, com muita luta, almejamos outras coisas como o terceiro, segundo ou, eventualmente, o primeiro lugar.

A entrada de jogadores veteranos como Gerson Monteiro vem dar equilíbrio à equipa? Quando construímos o conjunto, pensámos ter alguma experiência e jogadores mais jovens para que haja algum equilíbrio. Não podemos ter todos os bons jogadores, porque temos um limite orçamental. Felizmente, o Libolo está a cimentar o seu nome sobre o rigor orçamental. Quando idealizámo-la, queríamos ter alguns jogadores experientes que dariam alguma competitividade à equipa e também com alguns jovens que fossem muito mais fortes no futuro, aprendendo com esses mais velhos. É assim que está constituída a equipa do Libolo.

Como caracteriza a sua relação com jogadores mais velhos?
O que é fundamental para um treinador é que dê o exemplo. Ou seja, cometo os meus erros e tenho as minhas limitações como qualquer outro treinador. Mas há uma coisa que procuro fazer sempre: dar o meu melhor e os jogadores são justos, quando percebem que do outro lado está uma pessoa que dá o seu melhor e que os respeita. No entanto, nunca tive problemas desse género.

O que é mais importante para os atletas inexperientes? ser jovem e jogar na alta competição ou o facto de serem do Libolo? O mais importante nem é tanto a competição. O importante é que eles tenham o seu espaço. Muitas vezes diz-se que “tem de se apostar nos jovens e eles têm de jogar”. Não é assim. Eles jogam se merecerem e se mostrarem que têm qualidade. Não é por serem jovens ou por serem da formação do Libolo que devem jogar. Aquilo que dificulta mais a evolução de um jogador júnior para sénior, nessa fase de transição, muitas vezes, é quando se trabalha menos. O que procuro fazer com esses jogadores é que trabalhem muito nessa fase.

“Meu percurso sempre foi de risco”

O que lhe levou a aceitar o convite para treinar o Recreativo do Libolo?
O meu percurso sempre foi de risco, de assumir novos desafios e de estar sempre ligado ao basquetebol com verdade, frontalidade e com muito trabalho. Em 2000, abandonei o Grupo Desportivo da Nocal, em feminino, e passei para o basquetebol masculino no Interclube. Estive dois anos à frente daquela colectividade e conseguimos, com apoio da direcção e dos atletas que estavam a começar o percurso no basquetebol, ser vice-campeão nacional.

Por que não se manteve naquela agremiação?
Se quisesse, teria ficado lá, comodamente, mas mudei para o Petro de Luanda, onde sabia que iria encontrar grandes dificuldades, como a pressão. Naquela altura, o 1º de Agosto, sem sombra de dúvidas, era a maior equipa, e não dava espaço para ninguém. Ainda assim, jogámos a um nível muito elevado e conseguimos ganhar uma Taça de Angola. No ano a seguir, as coisas no Petro de Luanda não correram bem. Recebi um convite do 1º de Agosto. Em Janeiro deste ano, a direcção do 1º de Agosto decidiu mudar o corpo técnico e fui para a equipa feminina. Estive lá, comodamente, a liderar um processo de entrada de novas jogadoras para a equipa sénior. Surgiu o convite para treinar a equipa do Recreativo do Libolo, aceitei-o e estou aqui.

Se estava comodamente no 1º de Agosto a treinar a equipa feminina, por que saiu? Saí, porque a época dos campeonatos seniores masculinos dura cerca de sete a oito meses e a competição é mais exigente; sou obrigado a trabalhar muito mais horas que no feminino não tinha oportunidade de fazer. Estou aqui no basquetebol para continuar a aprender e continuar a evoluir, por isso é que aceitei este convite.

Aceitou este convite ciente da falta de condições?
Naturalmente. Aquilo que me foi posto em cima da mesa é que este primeiro ano seria muito difícil, pois não há infra-estruturas desportivas para desportos de sala em Calulo. A verdade é que o futebol também viveu esta situação. Só mais tarde as coisas melhoraram. Estamos preparados para treinar mais tempo ou menos tempo. Vamos esperar que os prazos sejam cumpridos e que, em Maio, o campo esteja pronto e possamos jogar e treinar na sede do clube.

É vossa intenção realizar os vossos jogos em Calulo?
Não há nada melhor do que jogar diante dos nossos adeptos. Muita coisa pode contribuir para o desenvolvimento da equipa como o clima, a calma da cidade, bem como as condições de alojamento e alimentação. Creio que vamos dar um salto muito grande depois de beneficiarmos das condições de trabalho em Calulo.

Se dentro deste tempo determinado as condições de trabalho não melhorarem ? Creio que isto não vai acontecer, pois confio nas pessoas que estão à frente deste projecto. Sei que vivem o dia-a-dia da equipa sénior masculino de basquetebol. Acredito que, em Outubro do próximo ano, estaremos a jogar o Campeonato Nacional de Basquetebol em Calulo.